
O anúncio de uma investigação comercial do governo Donald Trump contra o Brasil, aberto em 15 de julho de 2025 pela Representação de Comércio dos Estados Unidos (USTR) com base na Seção 301 da lei norte-americana, surpreendeu Brasília ao colocar o Pix no centro do inquérito. Para Washington, o sistema de transferências instantâneas criado pelo Banco Central poderia configurar “prática discriminatória” ao favorecer uma solução estatal em detrimento de concorrentes privados globais. A alegação é de que empresas norte-americanas de meios de pagamento perderam espaço em um mercado que hoje concentra mais de 175 milhões de usuários ativos graças à gratuidade e à simplicidade do Pix.
Nos bastidores, executivos de big techs e bandeiras internacionais apontam um episódio emblemático: a suspensão do WhatsApp Pay em 2020, cinco meses antes do lançamento oficial do Pix. À época, o Banco Central e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica temeram riscos à concorrência e proibiram a ferramenta da Meta até nova análise regulatória. Críticos nos EUA sustentam que a medida abriu caminho para que o sistema doméstico tomasse a dianteira, enquanto produtos como Apple Pay e Google Pay passaram a disputar um mercado já consolidado.
Além de possíveis barreiras competitivas, a investigação lista outras frentes de atrito: tarifas diferenciais de etanol, falhas no combate à pirataria — com citação direta à Rua 25 de Março em São Paulo —, exigências de hospedagem de dados no Brasil e retaliações a redes sociais que se recusam a remover conteúdo político. Mas é o destaque dado ao Pix que sinaliza a dimensão digital do contencioso. Analistas em Washington observam que, ao permitir pagamentos transfronteiriços entre brasileiros e estabelecimentos de países vizinhos, a plataforma começa a reduzir dependência do dólar em certas operações cotidianas, algo que fere objetivos de longo prazo da política externa dos EUA.
A reação do governo Lula foi imediata. Em nota publicada nas redes sociais, o Palácio do Planalto exaltou o Pix como um “orgulho nacional” e ironizou que o sucesso do sistema estaria “provocando ciúme lá fora”. O vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, que conduz a frente de negociação com a Casa Branca, classificou o serviço como “um caso exemplar de inclusão financeira” e prometeu responder “ponto a ponto” às acusações durante a audiência pública marcada pela USTR para 3 de setembro, em Washington.
Do lado americano, o embaixador comercial Jamieson Greer afirma que, se a investigação comprovar subsídios ou favorecimentos contrários às regras internacionais, a Casa Branca poderá impor novas tarifas ou barreiras não tarifárias aos produtos brasileiros. Especialistas lembram que a Seção 301 foi o mesmo instrumento usado por Trump contra a China em seu primeiro mandato; portanto, o processo pode escalar rapidamente para sanções de grande impacto.
Para o Brasil, o risco vai além do agronegócio, alvo tradicional de medidas protecionistas. Caso o Pix seja considerado uma distorção de mercado, companhias nacionais de tecnologia e bancos digitais que exportam serviços podem enfrentar custos adicionais de entrada nos EUA. O Banco Central, porém, sustenta que o sistema é de acesso aberto — fintechs, bancos estrangeiros e até plataformas de Big Tech já operam ou podem operar dentro das mesmas regras, sem taxa de licença ou exclusividade.
Os próximos passos incluem a preparação de um dossiê técnico que destaque a interoperabilidade do Pix, dados de adoção — 76,4 % da população adulta usava o sistema no fim de 2024 — e comparações com iniciativas semelhantes em países desenvolvidos. A estratégia de Brasília combina diplomacia econômica, argumentação jurídica na Organização Mundial do Comércio e possibilidade de contra-medidas via Lei de Reciprocidade Econômica, caso novas tarifas sejam efetivadas.